A importância de fazer a auto vistoria regularmente.
A auto vistoria é um Procedimento Legal cujo propósito é a execução de uma inspeção periódica na busca de possíveis falhas na edificação e realizar manutenções periódicas que em última instância podem salvar vidas.
Com seu litoral deslumbrante, a cidade de Fortaleza é um dos principais destinos turísticos de nosso país mas infelizmente, a cidade virou manchete nas últimas semanas, devido à ocorrência trágica do desabamento de um edifício que causou a morte de 9 pessoas. A ocorrência será alvo de investigação detalhada para apurar as causas e as responsabilidades e certamente é uma oportunidade para uma avaliação crítica sobre o assunto “Manutenção Predial” por profissionais de engenharia e administradores de edificações por todo o Brasil.
Situado no bairro de Dionísio Torres, na rua Tibúrcio Cavalcanti em Fortaleza, o edifício Andrea foi entregue aos compradores em 1982 e aos 37 anos, apresentava uma deterioração intensa em seus elementos estruturais e um péssimo estado de conservação. As fotos abaixo demonstram uma falha do Condomínio em prezar pela manutenção e conservação.
As setas indicam locais de tratamentos superficiais, provavelmente para correções de acomodações da estrutura da edificação. Estas intervenções foram feitas para melhorar a estética do prédio sem se preocupar com a causa dos problema.
Esta é uma prática recorrente e o tratamento pontual para correção de falhas nas edificações normalmente é a opção escolhida por ser a mais barata. Trata-se de uma postura perigosa porque a prática de corrigir defeitos pontualmente pode funcionar enquanto o problema estiver localizado em elementos de vedação (paredes por exemplo) mas se a situação envolve elementos estruturais (fundação, vigas e pilares), acreditamos que é prudente identificar as causas dos problemas em vez de maquiar a estrutura da edificação
O desabamento do edifício Andrea foi documentado de diversas formas e as imagens estão disponíveis em diversos sites. A causa da falha estrutural dos pilares da edificação se torna evidente com as fotos que foram feitas pela empresa encarregada de executar a derradeira reforma. O que se percebe é que a empresa contratada decidiu remover o concreto dos pilares para fazer o tratamento das armaduras expostas e recompor o concreto. Pelas imagens fornecidas da equipe da contratada trabalhando, percebe-se que não há mais concreto recobrindo a armadura mas tão somente reboco que não tem capacidade estrutural.
Este fato leva a crer que em outras intervenções, outras empresas fizeram o mesmo para tratar os pilares com armaduras corroídas recobrindo os mesmos após o trabalho, com argamassa de cimento e areia, que não garante a impermeabilidade e dessa forma não impede a contínua deterioração das armaduras
Nas imagens acima é clara a diferença de tonalidade entre o concreto estrutural (mais claro) e a argamassa que foi continuamente colocada no lugar do concreto nas intervenções que foram feitas. Nas imagens veiculadas na TV o que se vê são pedaços de reboco sendo removidos e não concreto. Nas intervenções anteriores executadas de forma negligente, o aço estrutural não foi devidamente protegido por concreto e sua contínua exposição ao ambiente corrosivo da região provocou uma deterioração extrema da malha de aço ocasionando a perda da finalidade estrutural dos pilares
Link para visualização em vídeo: https://youtu.be/h6iwUzKlJlA
Portanto, a estrutura do edifício Andrea já estava comprometida e a cada intervenção, a perda do aço estrutural se pronunciava e infelizmente era maquiada com a aplicação de reboco sobre a armadura corroída.
No estado do Rio, como consequência da Lei 6400/2013 e na cidade do Rio por força da Lei complementar 126/2013, tornaram obrigatória a realização de vistorias técnicas periódicas pelos responsáveis por imóveis existentes no município do Rio de Janeiro. Trata-se de uma iniciativa do Poder Público, para prever a ocorrência de desastres como do edifício Riqueza/File Carioca na Praça Tiradentes em 2011 e do edifício Liberdade na Cinelândia em 2012.
Em síntese, o que se busca nesta análise é confrontar os objetivos da lei de Auto Vistoria e os fatos ocorridos com o trágico desabamento do edifício Andrea. Por se tratar de um laudo de investigação técnica, o laudo de vistoria após inspeção da edificação deve ser consistente e assertivo, fornecendo subsídios ao síndico ou responsável pela edificação de meios para julgar a urgência do reparo/intervenção demandada. Por outro lado, profissionais responsáveis pela inspeção, devem estar cientes de sua responsabilidade e evitar prolixidade e firulas textuais, que tal qual o amontoado de fotos que se inserem nos laudos, só servem pra engrossar um texto inconclusivo e frágil, tal qual o reboco das colunas do edifício Andrea.
Em uma rara demonstração de competência, nosso Legislativo ao instituir a Lei de Auto Vistoria, criou condições para prevenir ocorrências catastróficas em edificações sem manutenção ou com tratamento paliativo dos desgastes naturais sofridos pelas construções ao longo dos anos. Resta ao corpo técnico de profissionais, qualificados para exercer a atividade de inspeção, discernimento para encarar a tarefa com a responsabilidade que ela merece e proceder de forma responsável para evitar novas tragédias.